JOSÉ LUIZ PASTORE MELLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Você deve estar se perguntando quais os caminhos da matemática que poderiam promover o inusitado encontro entre polinômios e um bode.
Porém, nosso Bode começa com letra maiúscula, e não apenas por ser início de frase.
O título dessa matéria refere-se ao astrônomo alemão Johann Elert Bode (1747-1826), cujo sobrenome lê-se, em português, "Bôde".
Bode foi o responsável por popularizar, em 1772, quando era diretor do Observatório de Berlim, uma suposta fórmula matemática capaz de apontar o raio orbital dos planetas conhecidos na época (Mercúrio até Saturno).
Segundo a fórmula, que ficou conhecida como lei de Bode, os raios orbitais dos planetas Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno, medidos em unidades astronômicas (UA), seriam dados pela fórmula 1 (veja no quadro acima), com n sendo, respectivamente, igual a "um número negativo muito grande", 0, 1, 2, 4 e 5.
A tabela 1 indica os valores de d obtidos através da lei de Bode e os valores correspondentes a D obtidos através de cálculos matemáticos atuais.
Três observações importantes devem ser feitas sobre a tabela 1: A) Note que usamos o símbolo de infinito negativo para representar "um número negativo muito grande". Em termos de cálculo, se n se aproxima de um "número negativo muito grande", a potência de 2 da fórmula de Bode se aproxima de zero e, consequentemente, d se aproxima de 0,4.
B) O raio orbital da Terra, tanto na lei de Bode quanto na realidade, é igual a 1 UA, o que nos esclarece sobre o significado da unidade de medida astronômica (1 UA é definido como sendo a distância da Terra em relação ao Sol).
C) Na tabela não há planeta correspondente a n=3, o que sugeria à época de Bode que um dia seria descoberto um planeta de raio orbital 2,8, que é o resultado da fórmula para n=3.
Curiosamente, bem mais tarde, descobriu-se um cinturão de asteroides com d=2,8 (D 2,8).
Você suspeita que a lei de Bode tenha embasamento científico? Aqui vai um dado para demovê-lo(a) dessa ideia: a lei de Bode ainda apresenta boa aproximação para Urano, porém, comete erro por superestimativa de quase 30% para Netuno, o planeta mais distante conhecido do sistema solar.
Convencidos sobre a limitação da "lei" e conhecendo os valores corretos de D (ver tabela 2), proponho o seguinte problema matemático: encontre uma função polinomial D(n) que identifique com precisão os raios orbitais dos planetas conhecidos do sistema solar (considere Mercúrio a Netuno, já que Plutão caiu para a "segunda divisão").
Tal problema é intratável sem a ajuda de um computador, mas a discussão sobre seu encaminhamento irá colocá-lo diante de alguns temas da matemática escolar (polinômios, matrizes, determinantes e sistemas lineares).
Afirmarei, sem a devida demonstração, que existe um polinômio como aquele indicado na fórmula 2, que verifica os pares ordenados n e D(n) propostos na tabela 2.
Substituindo os valores, você identificará um sistema de sete equações e sete incógnitas que, se resolvido com recursos computacionais, lhe apresentará os coeficientes a, b, c, d, e, f, g, h. Essa fórmula você pode confiar que não dará bode!
jlpmello@uol.com.br
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