terça-feira, 16 de junho de 2009

A lei de Bode, os planetas e os polinômios

JOSÉ LUIZ PASTORE MELLO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Você deve estar se perguntando quais os caminhos da matemática que poderiam promover o inusitado encontro entre polinômios e um bode.
Porém, nosso Bode começa com letra maiúscula, e não apenas por ser início de frase.
O título dessa matéria refere-se ao astrônomo alemão Johann Elert Bode (1747-1826), cujo sobrenome lê-se, em português, "Bôde".
Bode foi o responsável por popularizar, em 1772, quando era diretor do Observatório de Berlim, uma suposta fórmula matemática capaz de apontar o raio orbital dos planetas conhecidos na época (Mercúrio até Saturno).
Segundo a fórmula, que ficou conhecida como lei de Bode, os raios orbitais dos planetas Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno, medidos em unidades astronômicas (UA), seriam dados pela fórmula 1 (veja no quadro acima), com n sendo, respectivamente, igual a "um número negativo muito grande", 0, 1, 2, 4 e 5.
A tabela 1 indica os valores de d obtidos através da lei de Bode e os valores correspondentes a D obtidos através de cálculos matemáticos atuais.
Três observações importantes devem ser feitas sobre a tabela 1: A) Note que usamos o símbolo de infinito negativo para representar "um número negativo muito grande". Em termos de cálculo, se n se aproxima de um "número negativo muito grande", a potência de 2 da fórmula de Bode se aproxima de zero e, consequentemente, d se aproxima de 0,4.
B) O raio orbital da Terra, tanto na lei de Bode quanto na realidade, é igual a 1 UA, o que nos esclarece sobre o significado da unidade de medida astronômica (1 UA é definido como sendo a distância da Terra em relação ao Sol).
C) Na tabela não há planeta correspondente a n=3, o que sugeria à época de Bode que um dia seria descoberto um planeta de raio orbital 2,8, que é o resultado da fórmula para n=3.
Curiosamente, bem mais tarde, descobriu-se um cinturão de asteroides com d=2,8 (D 2,8).
Você suspeita que a lei de Bode tenha embasamento científico? Aqui vai um dado para demovê-lo(a) dessa ideia: a lei de Bode ainda apresenta boa aproximação para Urano, porém, comete erro por superestimativa de quase 30% para Netuno, o planeta mais distante conhecido do sistema solar.
Convencidos sobre a limitação da "lei" e conhecendo os valores corretos de D (ver tabela 2), proponho o seguinte problema matemático: encontre uma função polinomial D(n) que identifique com precisão os raios orbitais dos planetas conhecidos do sistema solar (considere Mercúrio a Netuno, já que Plutão caiu para a "segunda divisão").
Tal problema é intratável sem a ajuda de um computador, mas a discussão sobre seu encaminhamento irá colocá-lo diante de alguns temas da matemática escolar (polinômios, matrizes, determinantes e sistemas lineares).
Afirmarei, sem a devida demonstração, que existe um polinômio como aquele indicado na fórmula 2, que verifica os pares ordenados n e D(n) propostos na tabela 2.
Substituindo os valores, você identificará um sistema de sete equações e sete incógnitas que, se resolvido com recursos computacionais, lhe apresentará os coeficientes a, b, c, d, e, f, g, h. Essa fórmula você pode confiar que não dará bode!


JOSÉ LUIZ PASTORE MELLO é graduado e mestre pela USP e professor de matemática do colégio Santa Cruz

jlpmello@uol.com.br